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Episódios

Episódio 1

O escuro pode ser assustador ou maravilhoso, tudo depende de como você olha para ele.

Curo no Escuro é o primeiro episódio da primeira temporada do ZIP Podcast, um programa de contação de histórias para crianças, que vai te encantar, e estimular a sua imaginação. Para a hora de dormir ou em qualquer outra hora, ajudamos os cuidadores a criar conexões com suas crianças.

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Criação - Alberto Naar e Marcela de Holanda

Direção - Marcela de Holanda

Dramaturgia e Contação - Alberto Naar

Abertura - Marcela de Holanda, Marina, Diana e David

Produção e Edição - AlMa Cultural










 

Curo no Escuro

Ninguém nunca tinha ganhado o pique-esconde do Curo. O Curo era o melhor jogador de pique-esconde que existia no mundo. Bastava ele procurar algum lugar para se esconder e… Puff. Ninguém mais nunca ia achar o Curo. Até ele aparecer e falar: “Pique 123, Curo”. E todo mundo falava: “Ah, meu Deus, Curo! Onde você se escondeu?” E ele respondia: “Ué. Eu me escondi ali. No escuro”. Mas nenhuma das outras crianças conseguiu encontrar o Curo. Nenhuma das outras crianças conseguia entrar no escuro. O Curo gostava do escuro. O Curo gostava muito do escuro. No escuro, ninguém via o Curo. Nem as outras crianças. Nem os monstros. Nem os maus sentimentos. Bastava o Curo se esconder que o escuro protegia o Curo. Mas, um dia, quando o Curo estava brincando de pique-esconde, ele se escondeu no escuro. E ele ouviu um choro. Um choro bem baixinho. Ele tentou olhar em volta. Tentou entender de onde vinha aquele choro. Mas ele não viu nenhuma outra criança no escuro. Afinal de contas, as crianças não entravam no escuro para procurar o Curo porque elas tinham medo. O Curo não conseguia ver nada. Mas não parava de ouvir aquele choro baixinho. Então, se ele não podia ver, ele resolveu falar. E falou: “Oi. Tem alguém aí?” E como resposta, ele ouviu: “Quem é você?” E o Curo respondeu: “Oi, eu sou o Curo”. E ele ouviu a resposta: “Oi. Eu sou o Escuro”. O Curo conhecia tão bem o escuro que começou a falar com ele?! Nossa, isso era incrível! Mas por que que o seu amigo Escuro estava chorando? E ele perguntou. E o Escuro respondeu: “Eu não sei, eu sou sozinho, as pessoas nunca querem ficar aqui comigo.” E o Curo respondeu: “Mas eu fico com você”. E o Escuro respondeu: “Sim, você fica comigo, mas quando você quer que as outras pessoas não fiquem com você”. E o Curo se sentiu um pouco mal, um pouco culpado porque era verdade. E ficou em silêncio porque ele não sabia o que falar e ficou um pouco satisfeito por ninguém conseguir ver a cara de vergonha que ele estava fazendo. E o Escuro, falou assim: “Você disse que o seu nome é Curo, não é” E o Curo falou: “É.” E o Escuro falou: “Por que que você não chama seus amigos para ficar aqui com a gente?” E o Curo respondeu: “Mas eles têm medo de você”. E o Escuro falou: “Medo? Por que que eles têm medo de mim?” E o Curo respondeu: “Ué, porque a gente não consegue ver nada aqui dentro. Então eles ficam com medo do que pode ter em você”. E o Escuro respondeu: “É, mas a gente só tem medo do que a gente não conhece. Se eles vierem aqui ficar comigo, eles vão ver que eu sou legal. E o Curo falou: “Pois é, você sempre me tratou muito bem”. E o Escuro respondeu: “Eu não trato ninguém mal. Eu que tenho medo dos seus amigos”. E aí, o Curo falou: “Ué, você tem medo dos meus amigos? Porquê?” E o Escuro falou: “Ué, se eles acendem uma luz, eu desapareço”. E o Curo falou: “Nossa, eu nunca tinha pensado nisso. Então eu vou falar para eles virem, mas vou falar pra ninguém trazer nenhuma lanterna. Ne vagalumes, nem lâmpadas, nem glitter.” E o Escuro sorriu e falou assim: “Legal, que ótimo, beleza. Eu. Eu. Eu não sei o que fazer perto de… Ai, você me ajuda?” E o Curo falou assim: “Claro, parceiro, a gente é amigo. O Curo vai proteger o Escuro”. E os amigos do Curo vieram. E todos eles brincaram com o Escuro. E o Escuro ficou muito feliz. E o Curo ficou feliz. Porque ele e todos os amigos dele ganharam um novo amigo naquele dia. O escuro pode ser assustador. Mas ele pode ser muito reconfortante também. Tudo depende do que você guarda ali.

Episódio 2

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O segundo episódio do ZIP Podcast acontece à sombra de uma montanha, onde uma menina e uma lenda esperam por você!

Arara Arco-Íris conta a história de um tesouro.



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Criação - Alberto Naar e Marcela de Holanda

Direção - Marcela de Holanda


Dramaturgia - Alberto Naar e Marcela de Holanda

 

Contação - Alberto Naar, Diana de Holanda Naar e Marcela de Holanda

Abertura - Marcela de Holanda, Marina, Diana e David

Produção e Edição - AlMa Cultural










 

Arara Arco-Íris

Todo dia alguém ia na vendinha do seu Zé procurando por ele, mas ninguém nunca queria saber do seu Zé. O seu Zé era um homem muito velho. Ele vivia com a sua única filha numa casa velha, na base de uma montanha velha. A vendinha ficava na parte da frente da casa. E ali, se você olhasse para um lado, tinha um gramado bem grande e olhando para o outro era pedra, encosta e uma montanha enorme, intransponível, inescalável, inexpugnável. E lá em cima, onde os olhos só conseguiam alcançar com a ajuda de binóculos ou de lunetas, tinha um bicho magnífico, um bicho incrível, uma ave magnânima, comparável somente com a harpia, a dona dos céus. Essa ave mítica era a arara arco-íris. A arara arco-íris era uma arara normal, só que o seu rabo era um rabo de sete penas, cada uma das penas de uma das cores do arco-íris. Rezava a lenda que a arara arco-íris ficava lá em cima da montanha do Seu Zé e quando ela voava, a cauda dela produzia o arco-íris. Rezava a lenda também que quem conseguisse chegar no ninho da arara iria encontrar lá, dentro do ninho, um pote cheio de ouro. E por isso, todo dia o Seu Zé recebia uma visita e todo dia a visita do Seu Zé não queria saber dele e nem de comprar nada na vendinha, só queria saber de como chegar na arara. Era um tal de: “Oi, tudo bom? Será que tem como escalar aqui?” Ou então: “Seu Zé, Seu Zé, fala a verdade, dá pra subir de balão?” Uns falavam ainda assim: “É... Você tem um caminho até lá em cima? Eu posso pagar”. E o seu Zé nunca respondia essas pessoas. Era cansativo, ele falava com elas, mas elas não ouviam o que ele tinha para dizer. Elas só queriam ouvir o que elas queriam ouvir. E de vez em quando um olhava, olhava e subia e no meio do caminho caía e se esborrachava. Aquela montanha… É, aquela montanha sabia como deixar os visitantes de lado. Lá longe, distantes. A montanha protegia o ninho. O ninho da arara arco-íris. Um dia, uma menina pequena chegou com a sua mãe. O Seu Zé achou aquilo estranho. Normalmente eram homens que vinham e adultos, homens arrogantes que não queriam saber de conversa. Mas essa era uma menina pequena. E quando ela viu o Seu Zé, ela sorriu. A mãe estava fazendo as compras conversando com a filha do Seu Zé, elas eram amigas, mas a menina ficou parada olhando pra ele. O seu Zé olhou para menina e falou assim: “Oi! Você não devia estar na escola, menina?” “ Eu não vou pra escola quando tô com doente”. E só. Ficou quieta. E o seu Zé falou assim: “Qual o seu nome”? “Diana. E o seu”? “Meu nome é José Arco-íris”. “Arco-íris?!?. Eu adoro arco-íris”! “Então você me adora”? “Calma, senhor, eu não te conheço ainda”. E eles começaram a conversar e conversaram por um bom tempo. E a Diana falava e o seu Zé ouvia. E a Diana ouvia e o seu Zé falava. Em nenhum momento a Diana olhou para cima. Em nenhum momento a Diana viu lá em cima a arara arco-íris, mas a arara arco-íris viu a Diana. A arara arco-íris estava voando em círculos lá em cima, olhando a Diana conversar com seu Zé. E cada vez esses círculos eram mais baixos e mais baixos e mais baixos. E quando ela estava quase chegando no chão e estava podendo ouvir tudo o que a Diana e o Seu Zé estavam falando, a arara desceu e pousou no ombro do Seu Zé. Foi só nesse momento que a Diana viu a arara arco-íris. Linda! Com o seu rabo de sete penas longo. E a arara, que já tinha deixado a Diana perplexa de frente para tanta beleza, fez uma coisa que a Diana nunca imaginou que uma arara pudesse fazer. A arara falou. E não foi só “arara” que ela disse. Ela disse: “Oi menina. Tudo bem?” E esse foi o momento da Diana ficar sem palavras. Procurou a mãe com os olhos que ainda estava ocupada com as compras. Ela não sabia muito bem o que estava acontecendo, mas a arara arco-íris estava falando com ela e atrás da arara arco-íris tinha um arco-íris gigantesco. Será que a febre tinha aumentado tanto assim? Parecia que a arara era amiga do Seu Zé Arco-íris. Talvez eles fossem irmãos? Ai, que doidice. E a Diana falou: “Oi, eu sou a Diana”. “Oi, menina. Tudo bem”? “Sim. E com você, dona arara”? “Bom, comigo está sempre bem. Eu sou a arara arco-íris. Você quer conhecer o meu ninho”? “Mas o seu Zé vem comigo”? “Vem”. “Mãe, posso ir ali ver uma coisa com o Seu Zé”? E a mãe, que conhecia o Seu Zé desde pequena, respondeu que podia sem nem ver o que estava acontecendo. E a arara disse: “Vamos!” E, de repente, ela virou um bicho gigantesco, enorme, do tamanho do arco-íris. E a Diana subiu nas costas da arara e o seu Zé subiu nas costas da arara e os dois voaram. Voaram pelo céu, fazendo um arco-íris enorme até chegar lá em cima, no topo da montanha. E a Diana viu a vista mais maravilhosa que ela já tinha visto. Tudo o que existia pra se ver, estava ali, no fim do arco-íris. E a Diana olhou dentro do ninho da arara um pote cheio de moedas douradas. A Diana não entendeu muito bem o que que era aquilo e a arara falou: “Você quer menina? Esse pote de dinheiro”? “Não, não, obrigada. Eu só vim conversar com vocês mesmo. Eu tenho tantas perguntas!”. E eles conversaram. A Diana, o seu Zé e a arara. E passado um tempo a Diana falou que tinha que ir embora porque a mãe dela ia ficar preocupada. E a arara desceu da montanha e levou a Diana e o Seu Zé lá para baixo. E a Diana foi embora. Naquele dia, quando a Diana chegou em casa, ela estava se sentindo muito mais rica, sabendo de todas as histórias da vida do Seu Zé que ele tinha compartilhado com ela. O Seu Zé ficou se sentindo bem mais rico porque ele tinha ganhado uma amiga que ia levar as histórias dele para frente por muito e muito tempo. E até a arara se sentiu mais rica, tendo conhecido a menina do coração de ouro. Um tesouro ainda maior do que o tesouro da arara arco-íris.  

Episódio 3

O terceiro episódio do ZIP Podcast conta a história do primeiro dia de trabalho de uma Fada de Dente!



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Criação - Alberto Naar e Marcela de Holanda

Direção - Marcela de Holanda


Dramaturgia - Alberto Naar

 

Contação - Alberto Naar, Marina de Holanda Naar, Diana de Holanda Naar e Marcela de Holanda

Abertura - Marcela de Holanda, Marina, Diana e David

Produção e Edição - AlMa Cultural










 

Nenhum Dente para Trás

 

Aquele era o primeiro dia da fada Sofia como chefa das fadas do dente. Aquele era um sonho para fada Sofia e um sonho muito difícil de se alcançar. Ser fada do dente já era difícil, que dirá a chefe das fadas dos dentes. Todo mundo também sabia que o primeiro dia como chefe das fadas do dente era um dia muito perigoso. Uma nova chefa das fadas do dente significava uma nova turma de fadas do dente, e cada fada do dente representava 1 milhão de coisas que podia dar errado e muito errado. E tudo seria responsabilidade da chefa fada Sofia. Dentre os milhões de erros errados que qualquer fada do dente novata poderia cometer, comprometendo a Ordem das Fadas, dos dentes estavam os erros mais banais e os mais complexos. Um erro banal, por exemplo, seria colocar uma pedra de sal no lugar do dente que a fada foi buscar ao invés de colocar um doce. Agora, um erro verdadeiramente perigoso e completamente complexo é uma fada esquecer de colocar o pó do sono certo no quarto em que vai buscar o dente, algum humano acordar, durante a ação e ver a fada trabalhando e a fada explodir em purpurina. Ai, coitadinha da fada! Então era muito importante que a chefa fada Sofia se esmerasse ao máximo para evitar qualquer perda de fadas ou perda de dentes ou perda do seu cargo de chefia com que ela tanto sonhou. A chefa fada Sofia já tinha ouvido falar de algumas outras chefas de fada do dente que tinham se dado terrivelmente mal no seu primeiro dia de trabalho como chefa. Era perigoso não somente para as fadas, mas também para as chefas, porque normalmente as chefas de fada do dente tinham que arcar com as consequências das ações impensadas das suas fadas, da sua turma de fadas do dente. A chefa Sofia ouviu falar de uma vez que uma chefa teve que arrancar os dentes de sua boca por que tinha esquecido de falar para sua turma de fadas dos dentes que elas não poderiam comer nenhum doce. Afinal de contas, aparentemente qualquer doce de criança que uma fada do dente come gera cáries na boca da chefa fada do dente. Agora imagina uma turma inteira de fadas do dente comendo doces de crianças! Ai, coitados dos dentes dessa chefa. Enfim, como eu ia dizendo, existem milhões de coisas erradas que uma fada do dente pode fazer. E existem numa turma de fadas do dente, milhões de milhões de coisas erradas que podem acontecer. Logo, esse é um tipo de infinito que eu nem sei contar. Mas isso não ia abalar a chefa fada Sofia. Não, hoje, não no seu primeiro dia. Ela estava ali, de frente para a porta da sua turma de fadas do dente, pronta para fazer a capacitação daquelas novatas. Ela abriu a porta e sentiu o cheiro do sucesso. Aparentemente, todas as fadas que ali estavam eram boas fadas. A fada Sofia tinha tido sorte. Quer dizer, todas as fadas que estavam ali pareciam boas, menos uma. Ela, a fada do dente Giovana. A fada do dente Giovana era... Como podemos descrever? Arisca demais, inconsequente demais. Turma do fundão demais! Uma habilidade fundamental para uma fada do dente é a sua capacidade de andar em sigilo. No secreto. A sua capacidade de passar despercebida, se misturar na multidão. E a fada do dente Giovana era divertida demais e expansiva demais. Tinha um sorriso gostoso demais. Ela conquistava todos ao seu redor. Chamava muita atenção para si o tempo todo. Mas a chefa fada Sofia já entendeu que a fada do dente Giovana, não ia dar certo. Não daquele jeito. Então ela puxou a fada do dente, Giovana assim para o lado e falou. Giovana, presta atenção aqui no que a sua chefa vai te dizer. Fala aí, adorável mestra! Não tenta me conquistar, menina. Hm desculpa. Você sabe que o trabalho de fada do dente é muito mais de espiã do que de atriz, certo? Sim, sim. Pispiã. Quer dizer. Espia irmã? Quer dizer. Espiã! Sim. Sim. Chefa. Fada do dente Giovana. Não esqueça de ficar invisível. E não esqueça de jogar o pó do sono certo no quarto que você vai buscar o dente. O dente deve chegar intacto aqui, intacto. Repita. Sem um arranhão! Você não vai poder entrar aqui se não voltar com esse dente inteiro na sua caixa repositório. Na caixinha. Fada do dente, Giovana. Seriedade e profissionalismo. Atenção! É muito importante que você não seja vista durante a sua missão. Você sabe o que acontece com a fada do dente que é vista em trabalho? Ela explode. E vira purpurina! Purpurina? Fada do Dente Giovana. É muito simples. Fique invisível. Você sabe ficar invisível, certo? Certo. Certo. Certo. Fique invisível. Agora eu quero ver. Se eu ficar invisível, como é que você vai me ver? Ai onde fui guardar minha poção? Depois de todas aquelas conversas, chegou o fim do treinamento e cada fada do dente da turma de fadas do dente recebeu a sua missão! A missão da Fada do dente Giovana era a seguinte: ela deveria buscar o segundo dente caído de uma menina chamada Marina. Ela havia perdido o dente no Pão de Açúcar, a famosa montanha do Rio de Janeiro. Lá em cima, o seu dente caiu de sua boca e, por sorte, a sua mãe conseguiu pegá-lo no ar antes que ele caísse lá embaixo e se perdesse para sempre. E que tragédia seria, não é mesmo? E agora que Giovana já sabia qual era sua missão, agora que Giovana teria que voltar um dente quase perdido de Marina, ela se preparou da melhor forma possível. Ela pegou a sua poção de invisibilidade. Ela pegou o saquinho de pó do sono certo. Ela pegou a sua máscara e depois que tudo parecia certo dentro de sua bolsa, ela começou a voar. Ela voou, voou, voou, e quando ela chegou ali, logo abaixo da janela do quarto da Marina, ela pegou a sua poção de invisibilidade e a bebeu. Ela sabia que não tinha muito tempo. Ela tinha apenas cinco minutos até que o efeito da poção passasse e que ela voltasse a ficar visível. Então rapidamente ela arrombou a janela do quarto da Marina e pegou o seu pozinho do sono certo e jogou-o lá dentro. Certa de que todos dentro do quarto estariam dormindo, com o sono certo do pó do sono certo, ela abriu a janela, escancarando-a e entrou, magnânima e invisível no quarto. Mas, diferente do que ela imaginava, as pessoas dentro do quarto não estavam sob o efeito do sono certo, do pó do sono certo! As pessoas começaram a espirrar e se coçar e a quase acordar. Algo de errado não estava certo. E não era o pó do sono certo. Então ela, desesperada, tentando entender o que aconteceu, pegou o saco do pó do sono certo e olhou com atenção lá dentro. E ela descobriu. Ai, meu Deus! Dentro do saco do pó do sono certo não tinha pó do sono certo, tinha poeira toda errada. Ai! Ela tinha pego o saco errado no seu primeiro dia, sua primeira missão. Mas ela não ia deixar aquilo abalá-la. Ela ia completar a sua missão. Ela sabia que tinha pouco tempo para agir. Apenas aqueles poucos minutos que restavam antes que acabasse o efeito da poção de invisibilidade. Ela certamente não queria virar purpurina, então ela enfiou a mão na bolsa e pegou todos os doces que tinham lá dentro. Foi colocando todos eles ao lado da cabeça da Marina. Um chocolate de fadas, um chocolate com morango de mordidinhas, um chocolate de dinossauros, um chocolate de Van Gogh, um chocolate de um vaso de flores, um chocolate de bolo de casamento, um chocolate de Bela e a Fera. Todo o tipo de chocolate que tinha ali. Mas de repente ela se deu conta que aqueles eram chocolates demais e ela foi pegando o chocolate de volta e colocando de volta dentro do seu saco. E já não cabia mais no saco porque estava tudo desorganizado agora. E ela pensou Vou comer alguns desses doces. E aí ela pensou :"Não os dentes da chefa fada Sophia, eu não posso fazer isso". Mas ela apenas pensou, ainda bem que ela não falou isso alto, porque senão ela acordaria todo mundo. Calma fada do dente Giovana. Calma, você está sob controle. Ela enfiou novamente a mão dentro da bolsa, pegou o dinheiro e colocou-o ao lado dos chocolates. Ela estava no controle da situação. Agora ela ia respirar fundo e aproveitar aquele momento. O momento de pegar seu primeiro dente. Ela silenciosamente foi enfiando a mão debaixo do travesseiro, tateando, procurando o dente. Finalmente, ela conseguiu pegar o comunicado?! A Marina tinha deixado um comunicado para a fada do dente, que dizia assim: Dona fada, por favor, não leve o dente daqui. Deixe esse dente e devolva esse que já levaram, por favor. Que?! Como assim?! Ela queria ficar com o dente caído? Que pirado! Mas eu tenho que levar o dente pra entrar no reino das fadas do dente. Ai meu Deus, que confusão! No dia da sua primeira missão! Ela já não sabia mais o que fazer. Ela ia ficar visível a qualquer momento. Ela já tinha deixado dinheiro, ela já tinha deixado doce e ainda ia deixar dente? Ela deixou dente, afinal, ela era uma fada do dente. Ela tinha que garantir que a Marina estivesse cuidando bem dos seus dentes e estivesse cuidando bem da sua boca. Ela tinha que incentivar a Marina a cuidar dos dentes, mesmo aqueles que já tinham caído. E se a Marina queria fazer isso, não podia ser um problema. Então a fada do dente Giovana, tomou uma decisão. Ela foi embora sem dente e voltou para o Reino das Fadas do Dente. Quando ela chegou, ela foi se apresentar a sua chefa e parada ali na frente da chefa fada do dente. Sofia ela falou. Oi chefa! Cheguei! Oi? Cadê o dente da Marina? Chefa desculpa, eu tinha que deixar o dente lá. Ela fez um comunicado, timbrado, com uma solicitação autenticada em três vias! Eu não podia levar o dente embora. Eu sei que você disse que sem o dente eu não posso entrar no Reino das fadas. Eu achei que seria um absurdo eu ser demitida sem nem te explicar o porque. Então, chefa, foi isso que aconteceu. Desculpa, chefa. Eu aceito minha demissão. Vou pegar minhas coisas e vou embora. Espera. Era um teste. Nem tudo está escrito em pedra. Você pensou por si mesma. Resolveu os problemas, e teve bom senso. Muitas vezes fazer o que é melhor para o outro acaba sendo o melhor para você também. Pode ficar tranquila. Eu gostei muito dessa decisão. Você me poupou muitos problemas hoje. Parabéns, Fada do dente Giovana! Você ganhou a sua carteirinha. UHUUU! Agora é uma fada do dente oficial. Mas cuidado, não faça besteira. Se fizer, perde a carteirinha e o cargo. Tá bem. Só não me dá mais poeira, por favor. Vamos ver. Eu gosto de deixar minhas fadas atentas. 

 

Episódio 4

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O quarto episódio do ZIP Podcast conta a história de uma  sereia e seu pescador.



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Criação - Alberto Naar e Marcela de Holanda

Direção - Marcela de Holanda


Dramaturgia - Alberto Naar e Marcela de Holanda

 

Contação - Alberto Naar

Abertura - Marcela de Holanda, Marina, Diana e David

Produção e Edição - AlMa Cultural










 

Rafa e Mon

 

As sereias, guardam todos o tipo de objetos. Algumas sereias são conhecidas por guardar conchas. Algumas sereias são conhecidas por guardar pérolas. Algumas sereias tem tridentes. Outras sereias tem lanças. Mas aquela, aquela sereia, era diferente. O seu nome era Rafa e o que ela segurava, para todo lugar que ela ia, era uma lata de tinta spray. A lata de tinta spray não funcionava bem embaixo d’água. Por isso, com alguma frequência, aquela sereia Rafa tinha que sair do mar e ela se transformava em humana assim que encostava sua cauda na areia. A lata de tinta que não saía da sua mão era uma lata de tinta mágica que pintava todas as cores e que nunca acabava.

 

Os pescadores carregam todos os tipos de objetos. Existem pescadores que carregam conchas. Existem pescadores que procuram pérolas. Existem pescadores que tem arpões nas suas mãos e outros que têm vara de pescar. Mas aquele, aquele pescador era diferente. O seu nome era Mon e o objeto que ele carregava era uma garrafa. O seu sonho era pescar o peixe mais raro de todos, o peixe humana. A sereia. 

 

A Rafa estava com a sua lata de tinta, encontrou um muro bem bonito para começar a grafitar. Ela pintava os olhos, as asas, o bico, o corpo e logo aparecia um pássaro. E então ela pintava as pétalas, pintava caule e logo aparecia uma flor. Ela pintava raios, pintava núcleo e logo aparecia o sol e outra flor, e outro pássaro e outra flor. E quando ela se deu por satisfeita, ela correu feliz de volta para a praia e pulou na água.

 

O Mon com o seu barco já cansado de noite, com muito pouca esperança de conseguir pescar uma sereia, abriu o seu repositório onde havia uma imagem de uma santa e falou: Santa, por favor, interceda por mim. Faça, santa, com que Deus ajude e que finalmente eu possa encontrar uma sereia e pescar ela para mim. Mon podia jurar que viu a santa sorrir e esse foi o seu sinal. Naquele momento, ele fez o que sabia que tinha que fazer no seu coração. Com a sua garrafa ele subiu na amurada do seu navio e caiu enfim no mar gigantesco. Mon se deixou afundar. Ele sabia que as sereias viviam nas profundezas do oceano e era para lá que ele tinha que ir. Ele não se importou quando começou a ficar sem ar, ele não se importou quando sua vista escureceu, porque ele sabia que a santa tinha sorrido para ele. E mesmo quando ele perdeu os sentidos, ele não se preocupou.

 

Rafa, feliz como estava, viu um homem se afogando e não podia não ajudar. Rafa nadou rápido embaixo d'água, pegou aquele homem por baixo dos braços e nadou, nadou, nadou até a superfície, onde ela viu um barco não muito grande, mas também não pequeno. No barco tinha uma caixa estranha com uma mulher dentro. A mulher parecia uma estátua com uma manta. Além disso, no barco tinha baldes, peixes, baldes com minhocas, varas de pesca e um retrato de uma mulher idosa. Rafa imaginou que ali fosse o lugar daquele pescador e lá o colocou. Com a força da pancada nas suas costas, Mon acordou. Ele olhou em frente e viu uma linda mulher que o havia salvado. Ela estava debruçada sobre ele e quando Mon olhou para baixo ele viu ali a cauda da sereia. Ele sorriu e a abraçou, mesmo que ela não quisesse ser abraçada. Ele pegou a sua garrafa e falou: “Sereia, garrafa! ” E a sereia foi puxada pra dentro da garrafa. O Mon ficou muito feliz. Ele tampou a garrafa com uma rolha que tinha um buraco dentro para que a sereia pudesse respirar. Mas ele mal podia esperar, ele mal esperava para ir para casa, para a cidade e mostrar para todo mundo a sua sereia. Ele ia ser amado, ia ser adorado. Mon, o homem que capturou uma sereia. Mas ele olhava para a garrafa e via a sereia triste. 

 

Rafa não podia acreditar. Ela estava presa dentro de uma garrafa. Ela salvou o homem somente para que o homem a aprisionasse? Que absurdo! Ela se debateu, tentando quebrar a garrafa, mas a garrafa era dura demais. O homem ainda tampou a garrafa com uma tampa, uma rolha com um buraco dentro. Ela tentou se acalmar, mas não conseguiu muito. Ela só conseguiu abaixar a cabeça e ficar triste. Mon estava levando a Rafa para casa e ao perceber que ela estava triste, ele falou: “Não fique triste, sereia. Todos vão ver você. Todos vão saber que você é uma sereia, que você é linda e que você é minha porque eu te capturei”.

Rafa ouviu aquele homem dizer aquela coisa horrorosa. Procurou em volta e pensou. Se pelo menos eu tivesse uma concha, eu poderia me trocar por uma concha. Se eu tivesse um colar de pérolas, eu poderia dar para esse homem um colar de pérolas. Se eu tivesse um tridente ou uma lança, eu poderia lutar para sobreviver. Mas eu só tenho… Uma lata de tinta spray! Ele quer me mostrar para todo mundo e eu não vou aparecer! E ela pegou sua lata de tinta spray e começou a pichar tudo por dentro da garrafa. Tudo, tudo, tudo. Ela fazia desenhos lindos, intrincados e complexos. E aquela garrafa ficou linda, maravilhosa, mas não se podia ver o que tinha dentro da garrafa. Ninguém nunca saberia que ali dentro da garrafa estava Rafa, a sereia presa. E se ele abrisse a garrafa, Rafa sairia. Mon, ficou hipnotizado com a beleza daquela arte. Ele sentia dentro de si alguma coisa que não sabia descrever. Que nunca tinha sentido antes. Uma emoção profunda brotou nele ao olhar para aqueles desenhos. E ele também ficou admirado com a estratégia, com a inteligência de Rafa. E ele pensou: O que eu estou fazendo? Esses desenhos só podem vir de alguém que sente e pensa, como eu. Essa criatura não é um objeto para ser exibida presa numa garrafa. Para ser minha, eu preciso capturar o seu coração. E falou: “Sereia, você não quer ser exibida? Eu entendi. Mas esses desenhos e essas pinturas maravilhosas que você fez na garrafa não são quaisquer pinturas. Nem a mulher nem o homem mais capazes e mais talentosos seriam capazes de produzir desenhos tão maravilhosos. O seu lugar não é dentro do mar onde você não pode pintar. O seu lugar é aqui na terra. Fique comigo e eu vou te ver pintar até o fim dos meus dias. Vem, eu te liberto.” E o Mon abriu a garrafa da Rafa, que saiu e respondeu: “Agradeço por ter me soltado. Mas o meu lugar é onde eu quiser. A minha arte vem da minha liberdade. Eu sou quem eu sou. Metade peixe, metade humana. Metade água, metade terra. E eu não vou abrir mão de ser quem sou por ninguém. Eu vou continuar pintando quando quiser. Nadando quando eu quiser. E eu vou tomar mais cuidado ao ajudar estranhos. Agradeço pela lição. E a Rafa mergulhou de volta no mar. E o Mon entendeu. Ele viu a santa sorrir novamente e daquele dia em diante não pescou mais. Ele não era mais capaz de aprisionar o peixes e nem de aprisionar a si mesmo naquela atividade passada de geração em geração na sua família. O Mon virou um contador de histórias. Ele rodava o mundo com o seu barco em busca das pinturas da Rafa. E se inspirava. Transformando em histórias tudo aquilo que só ela sabia fazer ele sentir. 

Episódio 5

Pombas por todo lado! Quando um menino mexe nas coisas dos seus pais coisas terríveis podem acontecer.



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Lapirado

 

David era filho de um desenhista e de uma mágica. Volta e meia ele encontrava objetos curiosos na sua casa. Uma vez ele encontrou, veja bem, um chapéu de onde não paravam de sair pombas de todos os tipos. Saía pomba dobrada de papel, desenho de pomba, estátua de pomba e até pomba de verdade. Esse chapéu pode parecer um chapéu enorme pela quantidade de pombas que tinha lá dentro, mas não, ele era pequenininho, ele era um chapéu… Adivinha? De pomba. Ai, não! Mas a pomba do papai dele, desenhista, ficava linda com aquele chapéu. Bom, a pomba também desenhava, mas a história não é sobre isso. A história da pomba desenhista eu vou contar para vocês no outro dia. A história é sobre um outro objeto que o David encontrou. O David fez o que muitas crianças fazem. Fuçou nas coisas dos pais e encontrou ali um lápis. Ele não estava bem certo se aquele lápis era do pai ou da mãe. Afinal de contas, o lápis estava nas coisas da mãe, mas o desenhista era o pai. Ele examinou aquele lápis com cuidado. Afinal de contas, muitas das coisas que ele achava nas coisas da mãe explodiam ou brilhavam, ou soltavam um monte de purpurina. Ou, como a gente já falou, soltavam pombas! E caso isso nunca tenha acontecido com vocês, uma casa com 30 pombas saídas de um pequeno chapéu de pomba pode ficar muito cheia de cocô de pomba. O que é nojento. Eca! Bom, então, o David pegou aquele lápis e, com muito cuidado, examinou. Ele não sabia muito bem dizer qual era a cor daquele lápis. Então, ele falou: “Hum, você parece meio cinza?” E o lápis imediatamente, daquela cor que não parecia cor nenhuma, virou um lápis, atenção, cinza. O David tomou um susto. “Ai, meu Deus! O  lápis ficou cinza. Mas será que se eu falar outra cor ele… Vermelho. O lápis virou vermeeeelho! Amarelo! Ai, eu não acredito. O lápis está amarelo! Será que qualquer cor que eu falar ele vai virar? Cor de burro quando foge! Burro quando foge! Tá aqui! Tá aqui! Meu Deus, que incrível! É um lápis mágico!”

 

O David tinha muita experiência com itens mágicos da sua mãe. Por isso, com muito cuidado, ele resolveu pegar um pedaço de papel do pai e fazer um desenho. A primeira coisa que ele desenhou foi uma coisa que ele adorava desenhar. Ele fez um quadrado e atrás desse quadrado, ele fez um outro quadrado e ligou as pontas dos dois quadrados, fazendo um cubo. De um lado do cubo, ele desenhou uma bolinha. De outro lado do cubo, ele desenhou duas bolinhas, de outro lado do cubo ele desenhou três bolinhas e puf! Ele tinha um dado, um dado desenhado, um dado ali dado para ele, para David. Ele ficou feliz com aquele dado, mas ele ficou um pouco decepcionado porque ele já havia desenhado muitos dados e ele imaginava que um dado desenhado com um lápis irado seria um dado especial e ele parecia muito com qualquer outro dado que ele já tinha desenhado. Parecia muito com qualquer outro dado que ele já tinha pegado e jogado. O que? Com outro dado que ele já tinha pegado e jogado? Era um dado de verdade! O dado tinha saído do papel, o lápis era mágico mesmo. As coisas que ele desenhava no papel saíam do papel. Ai, meu Deus, cuidado para não desenhar nenhuma pomba! O David, então, percebendo o que ele tinha nas suas mãos, resolveu desenhar o que ele sempre quis. Uma caixa de bombons infinitos! E ele desenhou uma caixa de bombons infinitos. E, é claro, a caixa de bombons infinitos saiu do papel com bombons infinitos. Caso você não saiba o que significa infinitos, significa para sempre, bombons para sempre. Logo depois daquela caixa de bombons infinitos, o David resolveu desenhar uma coleção de carrinhos. Agora ele tinha carrinhos para dedéu. Então, o David queria desenhar um pequeno castelo com uma ponte levadiça e porta levadiça, um fosso e jacarés em volta do castelo. Ai, o David tinha se empolgado, pessoal. O quê que o David desenhou que ele não podia ter desenhado? Pessoal, ele desenhou o castelo com a ponte levadiça, a porta levadiça, um fosso em volta e jacarés para o fosso. O David desenhou jacarés!

 

De repente, tinham jacarés pela casa do David e não havia pomba nem David que estivesse a salvo. Jacarés são animais muito perigosos e eles estavam ali, prontos para abocanhar o primeiro ser vivo que aparecesse na sua frente. Ai, meu Deus, o David fez a única coisa que um garoto de cinco anos pode fazer. Se trancou no banheiro para se proteger dos jacarés. Afinal de contas, jacarés tem bocarras enormes que mordem, comem, mas não têm polegares opositores para abrir maçanetas de banheiros de Davids. Mas isso só resolvia o problema em parte. Afinal de contas, o David não podia morar no banheiro para sempre. E mais do que isso, quando os pais do David chegassem desavisados, os jacarés poderiam comer o pai e a mãe do David.

 

Ai, meu Deus! A babá. A babá estava na cozinha. Ela não sabia de nada. O David tinha que ser corajoso. Então, ele desenhou primeiro uma cartola, depois um bigode. E por último, uma roupa com seu chicote. O David pegou sua cadeirinha que estava no banheiro. E de chicote, bigode e cartola saiu do banheiro e falou: “Seus jacarés, aqui está David, o adestrador. Eu não acredito em violência contra os animais. Então, eu vou largar esse chicote, vou largar essa cadeira e nós vamos resolver na conversa. Jacarés, sentem-se”. E o que os jacarés fizeram? Sentaram. Eles sentaram e ficaram quietos para ouvir. E o David falou: “Seus jacarés, eu não sei de que mundo mágico vocês vieram, mas quem trouxe vocês aqui fui eu. Então, é bom vocês se comportarem, porque senão eu desenho uma porta aqui, a porta vai abrir e vai sugar vocês todos. Porque eu sou capaz de desenhar qualquer coisa com meus lápis pirado Quer dizer, o meu lápis irado. Quer dizer… Ei, esse lápis é ao mesmo tempo irado e pirado. É um lapirado! E vocês já sabem. Nada de bagunça por aqui. Quem estiver com fome, venha comigo, nós vamos falar com a dona Dora para que nós arranjemos uma comida para vocês. Ninguém aqui vai comer gente e, principalmente, ninguém aqui vai comer pomba. Vocês entenderam, seus jacarés?” E os jacarés, como se fossem treinados, todos acenaram com a cabeça positivamente, fazendo: “Sim, David, nós entendemos”.

 

E o David acreditou que os jacarés tinham entendido. Então, imediatamente, ele deu as costas para os jacarés e foi andando para a cozinha, como que para mostrar o caminho até a Dona Dora, onde eles poderiam comer. Imediatamente, um jacaré tentou abocanhá-lo. Mas o David foi mais inteligente. Ele foi mais esperto. Ele ouviu a movimentação por trás dele e ele já virou com o lapirado fazendo um movimento de retângulo enorme atrás dele e a porta se abriu e o jacaré, que tentava pegar o David, entrou para dentro da porta. Ele fechou a porta e o jacaré sumiu. Ainda tinham três jacarés e o David falou:”Espero ter sido claro. Mais algum de vocês vai me desobedecer?” E os três jacarés, como que treinados, fizeram que não com a cabeça e falaram: “Não, David, não vamos desobedecer. Nós já entendemos”. E eles obedeceram? Não, porque jacarés não obedecem. E logo depois de dizer que não iam desobedecer, um dos jacarés pulou em David, que deu um passo pra trás e desenhou um círculo no chão. O jacaré, ao tentar cair sobre David, caiu dentro do círculo. Um poço que David havia desenhado. E, imediatamente, o David pegou a borracha que tinha na bundinha do lápis e apagou aquele poço. E o jacaré sumiu. Agora restavam quantos jacarés? Dois. E o David falou: “Será que eu não fui claro? Vocês não são capazes de entender? Não comam ninguém. Vocês não vão conseguir. Eu quero dar comida para vocês, jacarés. Venham comigo, na moral. OK?” E os jacarés, imediatamente, acenaram com a cabeça, dizendo: “Ok, David, nós entendemos. Ninguém aqui vai tentar comer você”. E eles obedeceram? Não obedeceram. Não dá pra confiar em jacarés. Os jacarés comem pessoas. É isso que os jacarés fazem. Imediatamente, os jacarés, ao mesmo tempo, se jogaram para cima de David. Mas com o que eles não contavam é que David havia aprendido a desenhar com seu pai, Luís, O desenhista. David, muito rapidamente, muito sinistramente, desenhou 50 pombas! As pombas revoaram na frente dos jacarés, que ficaram confusos, sem saber o que fazer. É pessoal, vocês não vão acreditar, mas é verdade. Os jacarés, na tentativa de morder o David com todas aquelas pombas passando na frente deles, confusos, acabaram dando um nó na língua um do outro. Eles estavam presos com as bocas abertas, com as línguas presas um na língua do outro e não conseguiam mais comer nem David, nem Dona Dora, nem Luís, nem Márcia, os pais do David, nem uma pomba sequer. Rapidamente, o David falou assim: “É, parece que jacarés não vão dar conta de proteger o castelo. Eles ficam querendo comer todo mundo. Quem está dentro castelo e quem está fora. Então, eu vou ter que desenhar um cano de água por onde os jacarés possam ir embora para o rio. E eles foram embora para o rio. O menino decidiu que aquelas 50 pombas cuidariam no castelo. Ótima ideia? Sim? Não. Vocês esqueceram a confusão que é ter 50 pombas dentro de casa. Sabe quem não esqueceu? Dona Márcia, a mãe do David. Ela chegou em casa e se deparou com castelo e fosso e pontes e pombas… Rapidamente, ela tirou sua cartola e: “Arrumãe”. E magicamente tudo aquilo foi parar dentro da cartola, rápido como só uma mãe é capaz de arrumar. Ficou apenas aquela imensa quantidade de cocô de pombas. Ela não sujaria sua cartola com tamanha nojeira. E falou assim, com aquela calma mais assustadora do que qualquer grito, acompanhada de um olhar mais poderoso do que qualquer varinha: “David. Você mexeu nas minhas coisas de novo.” E o David desenhou um buquê de flores e uma caixa de bombons infinita e deu para a mamãe dele e falou assim: “Desculpa, mamãe, eu prometo que eu vou desenhar uma máquina de limpar cocô de pombas. Quer dizer, você me emprestaria o seu lapirado pra eu desenhar a máquina? Quer dizer, vou na cozinha buscar as coisas pra limpar”.  

Episódio 6

Os maiores frascos guardam os maiores segredos. O que uma menina guarda em sua bolsa?



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Criação - Alberto Naar e Marcela de Holanda

Direção - Marcela de Holanda


Dramaturgia - Alberto Naar e Marcela de Holanda


Contação - Alberto Naar, Marcela de Holanda, Marina de Holanda Naar e Diana de Holanda Naar

Abertura - Marcela de Holanda, Marina, Diana e David

Produção e Edição - AlMa Cultural










 

A Bolsa da Clara

 

Quando a Clara nasceu, ela recebeu uma bolsa. Era uma bolsa bem grande e bonita. Muito elaborada. Cheia de detalhes, coisas costuradas, coisas bordadas, figuras, cores… Era uma bolsa realmente notável e inesquecível. E dentro da bolsa existia uma coisa que você não poderia imaginar. Nada. Vazio. E quando a Clara cresceu um pouco e percebeu que a bolsa existia, ela ficou confusa e incomodada com uma bolsa tão grande e bonita sem nada dentro. Já parecia decidido. Ela ia ter que encher aquela bolsa de brinquedos. Ela levantou e olhou em volta, no seu quarto. Pegou uma boneca, mas de repente ela parecia feia demais para ser colocada na bolsa. O carrinho só tinha 3 rodas. O tabuleiro de xadrez estava com 2 peões brancos faltando. Hm. Aquela bolsa estava se revelando um problema. Aquela menina pequena fez então o que muitos adultos fazem pra resolver um problema: ficou olhando pra ele com muita força e intensidade, esperando que uma solução mágica viesse sozinha. Infelizmente, não funcionou. Entretanto, muito embora a menina não tivesse descoberto o que poderia colocar na bolsa, percebeu que tinha um carinho especial pelo objeto. Para todo lugar que a Clara ia, ela levava aquela bolsa, mesmo sem entender bem o porque. Ela nunca conseguia colocar nada ali dentro. Nada parecia caber, nada parecia adequado ou interessante o suficiente para a sua bolsa gigante. Mas lá estava ela com a sua bolsa gigante vazia. Pode parecer que era difícil carregar aquilo de um lado para o lado, mas não era. Ela era leve e ficava dobrada de um jeito muito especial que a Clara tinha inventado e assim dava pra levar pra qualquer lugar. O tempo foi passando, ela foi crescendo e como todas as pessoas que estão crescendo a Clara fez muitas coisas legais, muitas coisas incríveis, mas também fez muitas besteiras. E de algumas besteiras ela realmente se arrependia. A primeira besteira que ela se lembra foi quando ela ainda era pequena. Eu vou contar, mas não conta pra ninguém, porque foi realmente muito errado. Ela tinha cortado um pedaço bem grande do cabelo da irmã mais nova e deixou tudo torto. A irmã chorou quando viu no espelho e a mamãe chorou, de medo do que uma irmã ainda podia fazer com a outra, e de tristeza de ver aquele cabelo tão lindo que tinha demorado tanto tempo pra crescer ir embora daquele jeito. E a Clara também chorou. Foi para o banheiro e chorou, chorou, se sentindo muito culpada. E de tanto que ela chorou, as lágrimas dela formaram uma bolinha, de um gel que parecia água. Enfim, uma bolinha de culpa. A Clara tentou jogar a bolinha na privada algumas vezes, mas não conseguiu. Tentou jogar no lixo, mas ela continuava voltando pra cabeça da Clara. Sabe o que a Clara fez? Ela colocou a bolinha dentro da bolsa e a redonda sumiu! Desapareceu. Foi só a Clara colocar a culpa dela dentro daquela bolsa que foi como se ela não tivesse feito a besteira. Ela foi até à irmã e falou: 

 

-Desculpa, Aninha, eu não queria te deixar triste nem feia. O que eu fiz foi errado. Desculpa.

 

E a Aninha respondeu: 

 

-Tudo bem, Clarinha. Eu te desculpo. Vamos brincar de cabeleireira de novo? 

 

E elas brincaram. Mas dessa vez sem a tesoura que a mamãe tinha guardado muito bem guardada. E a Clarinha pensou que tinha ficado tudo bem mesmo. Mas, por incrível que pareça, ela continuou carregando aquela culpa. Dentro da bolsa, esquecida, mas sempre com ela porque a Clara não conseguia andar sem a bolsa. A sua bolsa gigante, elaborada, maravilhosa e cheia apenas de espaço e de culpa. Eita. A bolsa já estava um pouco mais pesada de carregar. A Clara foi crescendo e fez mais um monte de besteiras, como todo mundo. Ela ficou chateada com uma menina, a Helena, que estava gostando do mesmo menino que ela e acabou se irritando e derrubando a Helena na educação física. A garota se machucou e a Clara guardou aquela bolinha de culpa na bolsa dela. Quando estava um pouco maior, ela pegou as respostas de uma prova com um amigo e eles tiraram zero. A menina tentou jogar a prova fora, mas o pai descobriu. E a Clara, de novo, guardou aquela culpa na bolsa. Não entenda mal, ela não era uma criança que fazia só besteira. Pode acreditar. Ela era uma ótima filha, irmã, amiga, uma menina inteligente, carinhosa e encantadora. O problema é que essa história é sobre as besteiras que a Clara fazia. E por mais que não fossem muitas, se a gente só fala delas parece que ela só fazia besteira. Enfim, aquela bolsa foi ficando cada vez mais cheia, com mais bolinhas de culpa. Às vezes, ela fazia besteiras mais graves e essas não viravam bolinhas de culpa. Viravam bolas grandes e o peso dessas culpas era enorme. Ainda bem que a bolsa era gigantesca e sempre cabiam mais bolas e bolas e bolas dentro. Aff… Cansa só de falar. Imagina de carregar o tempo todo. A Clara não conseguia muito andar sem a sua bolsa e também já quase não conseguia andar com a bolsa, porque ela estava cheia de culpa, com quase nenhum espaço vazio. E a Clara tinha que fazer alguma coisa a respeito. Então, ela lidou com aquilo do jeito que conseguiu: enfiou o braço dentro da bolsa e puxou uma bola. Ela olhou e ficou desesperada, sem saber o que fazer com aquilo, e guardou de volta. Então, ela resolveu pedir ajuda para a mãe. Ela disse:

 

- Mãe, eu tô cheia de culpa para carregar. Eu não tô sabendo lidar com isso.

Poxa, meu amor. Sinto muito por não ter percebido. Você sabe que pode sempre conversar comigo, né?

Eu sei, mãe. Mas é que eu não quero que você veja o que eu estou carregando.

Eu entendo, filha. Mas preciso que você saiba que nada no mundo faria com que eu te amasse menos. Você sabe disso?

Sei, mãe. Eu também te amo. (tempo) Não tem ninguém com quem eu possa conversar sem ser você?

Eita. O que você acha de fazer terapia?

 

E a Clara concordou. E quando ela chegou na terapia, a primeira coisa que ela fez foi sentar e tentar falar, mas ela não conseguiu porque a bolsa estava tão cheia e estava no colo dela e ela nem tinha espaço para abrir a boca. Mas a terapeuta foi muito gentil e conseguiu tirar aquela bolsa de culpa do colo dela. E juntas elas tiraram uma bola de cada vez lá de dentro, conversando sobre o que tinha acontecido. E a Clara foi fazendo uma coisa maravilhosa. A Clara nem sabia que isso era possível. Elas olharam por todos os lados a primeira bolinha que pegaram, conversaram longamente e depois de um tempo, depois de encarar aquilo com coragem e carinho, a bolinha de culpa simplesmente, quase que magicamente, se desfez. Primeiro parecia que estava derretendo em direção ao chão. E quando chegava no chão, evaporava, desaparecia. A culpa da Clara estava virando ar e ar não dá pra carregar. Então, ela só deixou ir. A primeira foi assim, um pouco complicada, mas resolvível. Passaram para a próxima que foi menos complicada e mais resolvível e pra próxima ainda menos complicada e ainda mais resolvível. E a próxima, nada complicada e completamente resolvível. E a próxima que… Ai, meu Deus. Essa não. Essa era uma das grandes, uma das enormes. A Clara não sabia nada como lidar com essa. A menina e a terapeuta não conseguiram resolver sozinhas na terapia. É, pessoal, pra essa culpa a Clara teve que trabalhar um pouco mais. Ela tinha feito mal para uma pessoa e teve que ir até ela pedir desculpas. E a pessoa não aceitou. Porque o que a Clara tinha feito tinha sido muito errado. E ela voltou para a terapeuta e falou: “O que eu posso fazer para resolver então?” E elas pensaram juntas e resolveram que o melhor seria que Clara fosse até à pessoa novamente, não com desculpas, mas com a mesma pergunta que a menina fez para a sua terapeuta: O que eu posso fazer pra resolver o problema que eu causei? Às vezes, palavras não são o suficiente para resolver o problema, mas ações sim. Assim, conforme ela suava pra ajudar a quem tinha prejudicado, aquela bola enorme também ia derretendo e evaporando, até sumir. A menina seguiu para a esfera seguinte e para a próxima, até que não tivesse nada na bolsa. Como a menina a havia recebido. A Clara estava livre. A bolsa ainda estava ali, com ela, mas agora ela sabia como lidar com os problemas e o que fazer pra resolver. Antes, quando estava sempre se sentindo culpada, a Clara era pesada, uma pessoa mais difícil, a culpa paralisava ela. Ela ficava com medo de alguém olhar dentro da bolsa e descobrir todas as coisas erradas que ela já tinha feito. Mas a verdade é que todo mundo tem a sua bolsa de culpa. E não é por isso que a gente deve parar de andar. 

Muitos anos se passaram e Clara, já adulta, virou mãe. E, no momento que aquele bebê já tão amado saiu de dentro dela, no momento em que ela mesma renascia, ela notou que uma nova bolsa havia aparecido. Também enorme e elaborada. Mas dessa vez a bolsa não estava vazia. Estava lotada de bolinhas e bolonas. E ela não sabia o que fazer porque não tinha colocado aquelas bolas ali. Passou a carregar o tempo todo aquele monte de bolas de culpa que não eram dela e que pesavam tanto, o tempo todo. Clara procurou ajuda, de novo.

- Mãe, preciso conversar com você sobre as culpas que eu carrego.

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